Internamento ou Tortura???
Pois é, hoje é o meu decimo dia de internamento, vendo as coisas em retrospéctiva, passou imenso tempo mas não pareceu uma eternidade, talvez um pouco pela perda de percepção de tempo que se tem aqui dentro.
Os primeiros quatro dias foram um perfeito inferno, foi quinta, sexta, sábado e domingo. Nestes quatro dias pela minha boca não entrou um único pedaço de comida ou líquido. Estive a dieta zero. Inicialmente a sede era aterradora, quem já teve sede sabe do que estou a falar, é a pior das privações!! Acordar a meio da noite com a boca seca e imenso calor e não poder fazer nada. Horrível!
Depois como não se está a comer nada têm de verificar a glicémia a cada 6h. Um pouco como se fossemos diabéticos, picam-nos os dedos e põem o sangue naquela maquina que diz o valor. Como era previsível comecei a fazer hipoglicemias (açúcar no sangue a menos) e lá tinha de levar reforços de glucose no soro, uma vez ficou tão baixo que me tiveram de injectar glucose no sangue, é uma sensação estranha, senti uma onda de calor a espalhar-se por todo o meu corpo.
No meio de toda esta brincadeira já eu tinha sido picado duas vezes para me colocarem os cateteres, três vezes para tirar sangue e 18 vezes os dedos para as leituras de glicémia. Já não posso ver agulhas à frente, dá vontade de dizer asneiras.
Segunda parte da tortura: só desligam as luzes às 24h e a hora de acordar é logo às 6h30. Para pessoas que ainda por cima estão em recuperação... Não pode haver nada pior!!!! O que acontece é que depois às 9h acordam-nos de novo para tomar banhos etc, não tenho palavras para descrever a revolta que sinto ao fim de 10 dias.
Terceira provação: Ter o soro sempre ligado ao braço, além de limitar imenso os movimentos dos braços, ou mãos, que por sua vez nos limitam todos os movimentos, coisas simples como levantar da cama ficam complicadas, ir à casa de banho e limpar certas partes do nosso corpo também não fica fácil.
Quarta provação: incapacidade de sair para a rua! A única saída é constituída por uma rampa enorme, sair por ali com o carrinho é coisa complicada! E descer ainda mais, porque se ganhar balanço ninguém o para.
Quinta provação: não ver a luz do dia, cheiramos o ar da rua pela janela mas não se vê o sol porque isto está numa cave, nem sol nem o céu azul que eu tanto gosto de ver da janela do meu quarto. Faltam-me as vistas, falta-me o ar fresco.
Sexta provação: inibição sensorial. Estamos num buraco longe do mundo, e a pouco e pouco somos privados de informação exterior, é verdade que podemos ligar a televisão, mas também todos sabemos que a televisão não é um meio fidedigno de informação, e as refeições são ao mesmo tempo dos telejornais, resta-nos ficar a ver os programas intragáveis das manhãs e tardes, programas que são autentica diarreia mental, não têm por onde se pegue. E além disso não se pode limitar as pessoas a um espaço confinado onde a única distracção são duas televisões!
Sétima provação: Falta de exercício físico. A pessoa mal se consegue mexer, durante a noite então é horrível, é complicado virarmos-nos para um lado ou para o outro. Dói o braço quando mexemos e os tubos sempre a atrapalhar.
Oitava provação: Total falta de privacidade, tanto no quarto como sobre tudo na nossa vida. Aqui não decidimos nada, não decidimos o que comemos, não decidimos a hora de dormir, temos de dizer se fomos à casa de banho e ainda temos de descrever o aspecto do que lá fizémos.
Nona provação: As casas de banho são horríveis, e a zona de se tomar banho é indescritível. Duas sanitas para umas 10 pessoas, principalmente estando no internamento de Gastro parece-me pouco, se há uma diarreia geral não há Deus grande o suficiente para nos ajudar.
Décima provação: partilhar o quarto com seis pessoas, sendo que uma delas já tem mais de 80 anos, quase não fala, quase não se mexe, não consegue andar, tem soluços a toda a hora, mesmo durante a noite e ressona com engasgos.
Décima primeira provação: a televisão é para todos, e se alguém gosta de ver telenovelas, lá temos de gramar com elas, para mim é insuportável!!!..Mas para finalizar, não vou dizer só mal! Fica aqui um agradecimento às enfermeiras que me alegraram os dias/noites, acreditem que faz muita diferença. (vá Senhora Dona Enfermeira Sofia, não se babe muito se não temos de lhe por uma fralda como ao senhor Ernesto! ;))