O fim das minhas crises
Preparem um cházinho e umas bolachinhas, este artigo vai ser longo 😅.
Já passaram 23 anos desde que fui diagnosticado com a doença de Crohn. As memórias mais antigas de que me lembro são de quando tinha à volta de 4 anos de idade. No momento em que escrevo isto a doença de Crohn fez parte de 60% do tempo que já vivi conscientemente (descontando os primeiros 4 anos de vida), e tendo em conta que a nossa memória se vai desvanecendo com o tempo, diria que mais de 90% de todas as memórias que retenho hoje em dia foram gravadas depois do aparecimento da doença. Não sei o que é viver sem a doença, e já não me lembro do que é ser uma pessoa “normal”. Isto faz-me aceitar como normais coisas que não são, entrarei em mais detalhe mais à frente.
Quem segue este blogue há algum tempo sabe que venho escrevendo artigos sobre as minhas crises há vários anos. Quando comecei a escrever o artigo que estão a ler neste preciso momento, tentei olhar para trás e lembrar-me de quando comecei a ter estas crises em que as cólicas vão aumentando gradualmente até atingirem valores insuportáveis, e que acabam comigo numa agonia enorme entre dores de barriga, vómitos, e até ficar com a garganta em sangue. A conclusão a que cheguei é que teriam começado há uns 3 anos atrás? Depois de pensar um pouco sobre o assunto lembrei-me que tenho um diário aberto a toda a gente em que registo esses problemas. Foi com muito espanto que quando fui pesquisar descobri que já tinha falado deste problema em meados de 2010.
Ando a sofrer há 10 anos! Perdi a conta à quantidade de crises que tive, de noites mal dormidas com vários dias a seguir com a barriga num estado lastimoso. Tantas horas de sono perdido, dias inteiros vividos como um Zombie, meio morto meio vivo, num estado de apatia constante devido ao cansaço, e debilitado fisicamente. Andei tanto tempo à procura de uma solução, tentei tantas coisas diferentes, e afinal de contas era um problema tão simples…
Mas eu sou teimoso, tão tremendamente teimoso! Pensar no sofrimento que esta teimosia me trouxe revolta-me um pouco contra mim mesmo. Mas pode alguém ser quem não é?
Viajando um pouco atrás no tempo...
Depois da operação senti-me um super homem. Nada me podia parar agora, ganhava peso a cada dia que passava, as dores eram uma coisa do passado. Até a doença era uma coisa do passado, não tinha sintomas, sentia-me bem, nada do que comia me fazia mal à barriga.
Tudo. Estava. Bem.
E comecei a comer como uma pessoa normal, claro que não exagerava, não me pus a comer picantes e coisas do género, mas comecei a ingerir mais vegetais e tentei ser vegetariano. No início da minha tentativa de vegetarianismo até me senti melhor. Bastante melhor! O que me fez pensar que estava no caminho certo. Mas pelos vistos, pelo que escrevi no blogue, passado um ano comecei novamente a ter crises e nunca percebi de onde vinham estas dores misteriosas que tinham um período agudo muito forte, e que passado uma semana estava bom outra vez. Estas crises foram-se tornando gradualmente mais frequentes até tomarem uma periodicidade insuportável. Procurei soluções, tentei perceber o que me fazia ter estas dores, mas a maior parte das vezes eu não tinha comido nada que fizesse mal, nada de picantes, ou pimentas, ou aqueles legumes que sabia não estarem de acordo com os meus intestinos. Há uns 4 anos atrás descobri que deitar-me de pernas para o ar resolvia em parte o problema, sentia a barriga a funcionar e reduzia em muito as dores e vómitos que tinha antes. Mas também isto não resolveu a minha situação, continuei a ter crises a cada ~ 2 meses.
A minha vida não tem corrido muito bem, pensei que isso me estava a afetar a barriga. Tirei, na altura, a conclusão que era a minha cabeça que estava a afetar a minha barriga e que tinha de resolver os meus problemas para resolver a minha doença. Mas neste momento acho que o que se estava a passar era exatamente o contrário. Eram as minhas crises que me estava a afetar a mente, e com episódios de profunda agonia regularmente, fui-me abaixo psicologicamente e entrei num estado ligeiramente depressivo. E daí para a frente é um ciclo vicioso em que quanto mais deprimido se está mais deprimido se fica. Isto afetou as minhas relações com amigos, namorada, familiares… Comecei a retrair-me e a afastar-me das pessoas à minha volta. E penso que isso também é visível aqui no blogue, comigo gradualmente a escrever cada vez menos, e com cada vez mais dificuldade em escrever algo, mesmo quando queria escrever não saía nada de jeito. Como se a minha mente estivesse enublada, não sei bem explicar… Há vezes como hoje em que as pensamentos saem fluídos, começo a escrever e não paro, e há outros dias em que não consigo escrever duas frases seguidas que façam sentido. Nos últimos tempos a cabeça estava sempre com um nevoeiro constante e não conseguia escrever nada positivo.
Então como descobri o que me fazia mal?
Até me custa a responder a esta questão. Sou tão teimoso e sofri tanto com isto que me custa aceitar que estive errado este tempo todo. A minha namorada foi a uma consulta com um desses médicos de medicina alternativa (não vou entrar em grandes detalhes), mas dentro das coisas que ele lhe mandou fazer estava o deixar de comer alface. Porque a alface tem uma digestão difícil e demorada (ou algo do género, a minha memória de galinha não dá para mais). Foi então que se fez um clique na minha cabeça. Se a alface tem essa digestão difícil numa pessoa com intestinos saudáveis, como terá com uma pessoa com doença de Crohn??? E de um dia para o outro deixei completamente de comer alface. Nunca mais tive uma crise com cólicas enormes pela noite dentro e vómitos e agonia. Não quer dizer que a minha barriga esteja a 100% o tempo todo, mas deixei de ter as piores crises!
Em minha defesa tenho de dizer que nem sempre a alface me fazia mal, eu comia basicamente alface a quase todas as refeições e na maior parte dos dias sentia-me bem. Mas quando a coisa corria mal, corria MESMO mal! Agora deixou de correr mesmo mal, o que me tem feito MESMO BEM! Mas... nem tudo são rosas. Noto que as fases boas não são tão boas como quando comia alface, ou seja, as partes más são muito menos más, mas as partes boas também deixaram de ser tão boas. Acho que consigo viver com isso.
Chegando a esta conclusão há uma série de coisas que começam a fazer sentido como o facto eu na altura ter encontrado uma relação entre comer bananas e maçãs e ter dores de barriga, visto que são frutas com muita fibra.
Passei este tempo todo com dores porque comia fibra demais!!! 🤦🏼♂️ Isto é o básico para um doente de Crohn e não há desculpa nenhuma para o que eu estava a fazer. É burrice mesmo! Burrice e teimosia em doses muito grandes que me provocaram imenso sofrimento físico e psicológico.
E agora?
Já passaram pelo menos 3 meses desde que tive a última grande dor de barriga, e faz sensivelmente um ano desde a última vez que vomitei com essas dores. Quero ver se chego ao final deste ano sem nunca ter vomitado e sem estar uma noite sem dormir por causa de dores de barriga. Atualmente ainda estou um pouco traumatizado com as crises que tinha, e quando me sinto um pouco indisposto fico com medo de dormir e voltar passar pelo carrossel da agonia, mas isso está gradualmente a passar. Já me tem acontecido deitar com dores de barriga ligeira e consigo dormir, e acordar no dia seguinte já bom da barriga. Nada a comparar com o que tinha antes!
Há mais umas coisas que tenho feito que me têm ajudado imenso a barriga, mas vou deixar isso para outros artigos, acho que este já vai longo, muuuuito longo, e quero analisar as coisas uma a uma, em detalhe, de forma mais fácil de digerir (pun intended). Espero ter conseguido, com este artigo, poupar algumas dores a vários dos meus leitores.
Se chegou aqui tendo lido tudo o que escrevi, muito obrigado pela paciência 😉.
Até à próxima 🙋🏼♂️